sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Catarse - parte dois

Quando brincava de casinha, aos cinco, seis anos, lembro que costumava repetir: "E meus filhos são gêmeos!" Às vezes, eram duas meninas, às vezes dois meninos, na maioria do tempo um casal, claro. Depois, já bem grandinha, lembro que costumava dizer: "Quero ter só filho homem. Mulher é muito fresca, confusa. Somos em três lá em casa. Haja paciência!" Mas, quando o médico encostou o aparelho de ultrassom na minha barriga de dois meses - que, é bom reforçar, era na época a mesma barriga de sempre -, nem passava pela minha cabeça uma observação como a que se seguiu. "Estou vendo dois corações batendo aqui..." Na hora, fiquei meio brava com o médico. Quase soltei algo na linha "Não se brinca com isso, doutor!" Parei, no entanto, ao enxergar a expressão do pai. Não sei descrever exatamente como estava. Só sei que nunca mais vou me deparar com o rosto dele daquele jeito. Tinha de tudo lá: alegria, susto, orgulho, medo, dúvida. Ele também via os dois corações.

No dia seguinte ao da descoberta no consultório, amanhecemos já nós quatro (!) em um laboratório, fazendo exames mais detalhados. Assim soubemos que eram dois meninos, que eram idênticos, ou seja, dividiam a mesma placenta, e que, por isso, a gravidez exigia cuidados. Parei de fazer exercícios (tá... isso eu já não fazia mesmo). Comecei a fazer testes. Enquanto em uma gravidez normal a futura mãe se submete a mais ou menos um exame por mês, eu fui a um por semana. Em outubro, meu médico detectou um princípio de desequilíbrio entre o crescimento deles. Era exatamente o que monitorávamos desde o começo. Contou ainda que isso representava um risco para os dois. Lembro da minha pergunta na hora, bastante assustada: "E como temos de proceder? Que remédios existem para isso?" E ele: "Nada. Não há remédio para isso. Só podemos torcer para eles se entenderem aí dentro". A palavra "torcida", na boca de um médico, não é exatamente algo que se consegue ouvir sem entrar em pânico.


Não tive uma gravidez tranquila, nem feliz. A imagem clássica da maternidade também não está no álbum de fotos dos meus filhos. Mas,
um dia de janeiro, enquanto caminhávamos para a UTI, ouvi do pai uma coisa que me confortou muito naquela hora e ganha cada vez mais sentido: "Se eles tivessem chegado sem todos os meses angustiantes, sem esse tempo no hospital, talvez a gente não suportasse tanta alegria de uma vez". Acho que por isso eles chegaram aos poucos. Aos poucos, soubemos que sobreviveriam. Aos poucos, pudemos tocar suas mãos. Aos poucos pudemos colocá-los no colo. E aos poucos fomos ficando mais fortes. Sim... ainda falta um tantão. Ainda bem.

6 comentários:

Ivy Farias disse...

E ai Gisele, marcou o cinema já?

Jules disse...

giiii, sempre repito as mesmas palavras por aqui: seu blog é lindo.
(levei um susto ao ver o comentário da ivy! que mundo pequeno!)

isa disse...

Gisele, coisa boa ver seus filhos crescendo. Coisa boa saber que tudo está tão bem. São lindos e sua forma direta de escrever faz com que se entre na própria história.
Estou de longe, mas curto quase dia -a-dia estes meninos:Vitor e Tomás.
A vida se apresenta muito camarada para nós. Beijos e um enorme na Sueli . Sei a alegria dela.

Gi Kato disse...

Nossa, Isa.
Que bacana receber sua visita aqui.
E ler esse comentário tão especial.
Certamente devo a vc tb um pouco do que sou hoje. Vou dizer sempre: brigada, brigada, brigada!

Unknown disse...

Oi Gi! Nao acredito que te encontrei aqui! Já tem gemeos uhuuuuhhhh que lindos!!!! Me escreva sempre tá? Beijos Tatiana Adler a surdinha da escola morumbi.

Gi Kato disse...

Tati!
Que delícia saber de vc!
Passe aqui sempre!
E me conte!
Como está? Por onde andas?
Beijo grande!