quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Catarse - parte um

De vez em quando, à noite, ainda ouço o sinal agudo dos aparelhos que monitoravam os batimentos cardíacos e a respiração dos meninos na UTI. Apitavam sempre que algo estava errado. Do lado das encubadoras deles, ficamos condicionados: o equipamento dava o aviso e já sabíamos "ler" os números e até arriscar um diagnóstico. Ou olhávamos pra uma das enfermeiras em busca de resposta. Sentia um frio na barriga, o coração disparava e as pernas inchadas, depois de uma cesárea nada tranquila, tremiam a ponto de eu muitas vezes não conseguir levantar da cadeira. Sentia dor, dor de angústia, dor de medo. E isso acontecia numa freqüência absurda porque dividíamos a sala com mais cinco bebês prematuros. Torcíamos por eles também. Qualquer esboço de sofrimento deles também doía na gente.

De vez em quando, à tarde, ainda me vem à cabeça a primeira vez que vi os meninos. Eram frágeis, estavam espetados em vários fios, um aparelho os ajudava a respirar. Não podia pegá-los no colo. Não podia beijá-los. Não podia amamentá-los. Depois de mais de sete meses carregando os dois dentro de mim, de repente, eles pareciam cruelmente distantes. Não conseguiam abrir os olhos para nos ver. Não conseguiam nem se mexer direito dentro daquela vitrine. E não gostavam muito do carinho tímido que podíamos fazer de vez em quando. As enfermeiras explicavam que eles sentiam ainda falta da proteção da barriga. Mas meu instinto não entendia isso de jeito nenhum. Lembro das visitas na maternidade, do clima alegre das vizinhas do andar, e de que não tinha vontade de voltar pro quarto. Quando recebi alta, achei que não conseguiria ir pra casa com tanta dor. Dor no peito, dor por causa de um vazio absoluto. Durante o mês que ficaram no hospital, entrar no quarto deles todo arrumado era um esforço. Um esforço que doía.

De vez em quando, de manhã, ainda penso na menina que morreu durante o tempo em que estávamos lá. Penso também na manhã em que assisti aos médicos darem uma anestesia geral no Tomás e levarem-no para o centro cirúrgico. Penso nas milhares de vezes que entrei na sala para tirar leite com as bombas elétricas e chorei junto com outras mães. Chorei de dor. Chorei de medo. Penso também nas mães que cantavam baixinho, todo dia, para os filhos nas encubadoras. E penso em como tudo isso vai influenciar, pro bem e pro mal, no tipo de mãe que vou ser. E que sou.

Aos poucos, eles têm me mostrado que não querem mais mamar no peito. E acho que a despedida dessa fase é uma grande culpada pelo desabafo - e pelos sentimentos - acima. Eles também estão mais danados. Volta e meia, se jogam e batem a cabeça em algum canto. Uma bobagem, mas que me deixa assustada. Porque experimentei em dose dobrada a vulnerabilidade da vida. E sei bem que não se pode proteger os filhos de tudo. E que nem sempre o mundo é justo. Por que uns sobrevivem e outros não? De vez em quando, rezo por causa disso.

ps: demorei quase nove meses pra falar disso assim, de um jeito tão aberto.

7 comentários:

Unknown disse...

Gi,
Quando vejo as fotos dos meninos hoje e, lembro de quando eles estavam na maternidade, dá vontade de chorar, mas é de alegria, por saber que eles superaram tudo com louvor !!! E são os bebês mais lindos do mundo!!!
Bjs
Su

Ana Claudia disse...

Amiga-irmã querida...vc é uma guerreira ( e sei disso pq estive com vc em muitos momentos difíceis da sua vida ) e seus filhos não poderiam ser diferentes...eles são maravilhosos, perfeitos e abençoados por Deus e abençoam e alegram a vida de todos nós...e não se faça perguntas que só cabem a Deus saber o pq das coisas...saiba que o melhor sempre é feito e faça o que vc já faz...reze por todos !!!
Bjo triplo em vcs!!!
Saudades

Jules disse...

Gi, você é uma mae linda, fofa e forte. Te admiro muito. Mil beijinhos

MARINA REIS disse...

Gi,
que post forte, daqueles que faz a gente se emocionar e pensar....principalmente quem ja e mae. Impossivel imaginar o que voce e o Pablo passaram. Olhando hoje para o Vi e o Tom é difícil de imaginar que eles já passaram por tanta coisinha...certeza que daqui em diante, só virão alegrias!
Eles estão uma graça!
E o cabelinho? Um estilo unico deles..ja sao estilosos desde ja.
Parabens para voces e para eles, que foram fortes e agora enchem a familia de orgulho!
Eu adorei receber sua visita la no blog. Adorei sua mensagem. Eu deixei uma mensagem por la..dizendo que tambem tinha adorado esse seu ultimo post e que queria ter deixado esse comment aqui antes.
Eu sei que sua vida deve estar uma correria so, mas nao nos abandone!!! Fico sempre esperando as novidades.
Sei que, em breve, estarao com uma das dindas, passeando por ai. Primeira viagem de aviao!!! Que fofos!!!
Saudades de todos voces!!!

Giovana Romani disse...

Como é bom vê-los gordinhos, passeando pra cima e pra baixo.
E que linda a maneira como você coloca seus sentimentos e experiências em palavras. Uma escritora maravilhosa - e uma mãe ainda melhor.
Tenho muito orgulho de fazer parte da sua vida e testemunhar suas vitórias.
Beijos,
Gi

Giovana Romani disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Gi, vc é uma mãe e tanto, minha amiga. Não é a toa que este meninos hoje são o que há de beleza e fofura. Você merece, linda! beijos