quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Nona temporada

Episódio 1: Eles estão doentes. Bronquiolite, disse o pediatra. Disse também que é algo bastante comum em crianças. Desde segunda, tomam antibiótico. Desde a sexta anterior, não dormem por mais de duas horas seguidas. E choram muito. Choram quando tossem, choram quando mamam, choram quando comem, choram quando ganham um beijo que não estavam a fim de ganhar, choram quando ouvem o outro chorar. Ah! Choram também quando precisam tomar o remédio. E quando o nariz entope. Aliás, o nariz entope por causa da tal inflação nos bronquíolos e por causa do choro insistente, num ciclo desses sem começo e fim definidos. Pelo menos por enquanto, a inalação está descartada. Com a máscara no rosto, ficam histéricos. Talvez lembrem da UTI.

Episódio 2: Eles estavam no chiqueirinho que ganharam da avó no Dia das Crianças. Esses chiqueiros são ótimos porque posso deixá-los sentadinhos, brincando, enquanto arrumo a cozinha ou tomo banho ou respiro um pouco. Nesse dia, eu lavava louça quando ouvi a risada do Vitor. Não foi um risinho comum, mas a gargalhada que ele só dá uma vez ou outra, geralmente quando eu ou o pai esmagamos suas bochechas. Fiquei curiosa e cheguei na sala de mansinho pra ver o que acontecia. Pois o Tomás chacoalhava um brinquedo barulhento e olhava pro Vi. E o Vi meio que respondia com a tal risada exagerada. Hoje, posso dizer com certeza que eles se reconhecem. E se divertem bastante juntos.

Episódio 3: Eles estão próximos de fazer a primeira viagem de avião. Bem... isso, claro, se melhorarem da chata bronquiolite. Temos passagens compradas pra Santiago, no Chile, onde mora a irmã-tia-dinda-futurababá Sa. Até RG tiramos hoje, ou seja, estamos deixando tudo pronto para o passeio internacional, só esperando o ok do pediatra. Tudo pronto é modo de falar, óbvio. Não tenho nem idéia do tamanho da mala que precisarei providenciar para a dupla. E da aventura que será circular pelo aeroporto com o carrinho duplo, a mala tripla, as mamadeiras, etc, etc. Tudo em nome da saudade.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A outra

Escolher uma babá para os meninos talvez seja a tarefa mais difícil que enfrento desde que eles nasceram. Comecei a entrevistá-las quando estava grávida, ou seja, quando não tinha a menor idéia do que exatamente perguntar a uma candidata. Nos decidimos por uma. E erramos, naturalmente. Na segunda tentativa, um pouco por sorte mesmo, acertamos. Digo sorte porque só se conhece de fato a pessoa quando se passa a conviver com ela: ditado que vale para relacionamentos amorosos e... babás. Acontece que esse achado, a Maria, recebeu agora uma proposta de salário melhor e pediu demissão. Fica com a gente só até dia 30. E, enquanto risco num calendário cada dia a menos que temos para encontrar uma substituta à altura, faço entrevistas. E me deparo protagonizando diálogos surreais. Juro: são todos verdadeiros.

Eu: Tivemos uma experiência com uma moça incrível, mas que decidiu ser minha amiga.
A candidata: Sei...
Eu: Tenho a tendência a dar mesmo liberdade demais para as pessoas, sabe?
A candidata: Sei...
Eu: Mas liberdade é algo que se conquista, né? Claro que ficaremos próximas, você vai cuidar dos meus filhos...
A candidata: É...
Eu: Mas isso precisa acontecer aos poucos, entende?
A candidata: Acho que sim...

Eu: Há uma linha muito tênue entre dar carinho e mimar as crianças, sabe?
A candidata: Acho que sim...
Eu: Quero que dê carinho, atenção, etc. Mas não carinho demais. Temos orgulho do jeito como eles são, ou seja, não são crianças chatinhas, que ficam chorando, querendo colo o tempo todo.
A candidata: Compreendo...

O pai: A Gi é muito bacana. Doce, compreensiva. Eu sou um cavalo.
A candidata: Sei...
O pai: Principalmente quando o assunto são meus filhos. Ou seja, se acontecer alguma coisa com eles, eu vou atrás até da sua quinta geração.
A candidata: Claro...

Bom, isso tudo para contar que dispensamos a primeira substituta da Maria há pouco. Na sexta começa uma outra, num processo um tanto traumático para mim. Chorei hoje ao me despedir de uma pessoa que ficou em casa por duas semanas apenas. E vim dirigindo pro trabalho pensando em como é louca essa independência feminina. Decoramos nossa casa, escolhemos o sofá confortável, a almofada bonita. Temos filhos - no meu caso, realizando o sonho acima de todos os sonhos. E aí vamos atrás de alguém parecido com a gente para cuidar deles. E para passar o dia sentada no tal sofá fofo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Catarse - parte um

De vez em quando, à noite, ainda ouço o sinal agudo dos aparelhos que monitoravam os batimentos cardíacos e a respiração dos meninos na UTI. Apitavam sempre que algo estava errado. Do lado das encubadoras deles, ficamos condicionados: o equipamento dava o aviso e já sabíamos "ler" os números e até arriscar um diagnóstico. Ou olhávamos pra uma das enfermeiras em busca de resposta. Sentia um frio na barriga, o coração disparava e as pernas inchadas, depois de uma cesárea nada tranquila, tremiam a ponto de eu muitas vezes não conseguir levantar da cadeira. Sentia dor, dor de angústia, dor de medo. E isso acontecia numa freqüência absurda porque dividíamos a sala com mais cinco bebês prematuros. Torcíamos por eles também. Qualquer esboço de sofrimento deles também doía na gente.

De vez em quando, à tarde, ainda me vem à cabeça a primeira vez que vi os meninos. Eram frágeis, estavam espetados em vários fios, um aparelho os ajudava a respirar. Não podia pegá-los no colo. Não podia beijá-los. Não podia amamentá-los. Depois de mais de sete meses carregando os dois dentro de mim, de repente, eles pareciam cruelmente distantes. Não conseguiam abrir os olhos para nos ver. Não conseguiam nem se mexer direito dentro daquela vitrine. E não gostavam muito do carinho tímido que podíamos fazer de vez em quando. As enfermeiras explicavam que eles sentiam ainda falta da proteção da barriga. Mas meu instinto não entendia isso de jeito nenhum. Lembro das visitas na maternidade, do clima alegre das vizinhas do andar, e de que não tinha vontade de voltar pro quarto. Quando recebi alta, achei que não conseguiria ir pra casa com tanta dor. Dor no peito, dor por causa de um vazio absoluto. Durante o mês que ficaram no hospital, entrar no quarto deles todo arrumado era um esforço. Um esforço que doía.

De vez em quando, de manhã, ainda penso na menina que morreu durante o tempo em que estávamos lá. Penso também na manhã em que assisti aos médicos darem uma anestesia geral no Tomás e levarem-no para o centro cirúrgico. Penso nas milhares de vezes que entrei na sala para tirar leite com as bombas elétricas e chorei junto com outras mães. Chorei de dor. Chorei de medo. Penso também nas mães que cantavam baixinho, todo dia, para os filhos nas encubadoras. E penso em como tudo isso vai influenciar, pro bem e pro mal, no tipo de mãe que vou ser. E que sou.

Aos poucos, eles têm me mostrado que não querem mais mamar no peito. E acho que a despedida dessa fase é uma grande culpada pelo desabafo - e pelos sentimentos - acima. Eles também estão mais danados. Volta e meia, se jogam e batem a cabeça em algum canto. Uma bobagem, mas que me deixa assustada. Porque experimentei em dose dobrada a vulnerabilidade da vida. E sei bem que não se pode proteger os filhos de tudo. E que nem sempre o mundo é justo. Por que uns sobrevivem e outros não? De vez em quando, rezo por causa disso.

ps: demorei quase nove meses pra falar disso assim, de um jeito tão aberto.

sábado, 3 de outubro de 2009

Quatro fotos

Vi (esq) e Tom (dir)
Tom (esq) e Vi (dir)
Vi
Tom